segunda-feira, 25 de maio de 2009

DIRETAS, AIS E A MEMÓRIA




Esse texto pode até ser saudosismo, orgulho exacerbado de tempos românticos demais, enfim... Mas os índices apresentados em pesquisa recente realizada pelo DataFolha,sobre o que foi o maior e mais importante movimento popular do Brasil, são inadmissíveis.


A pesquisa aponta que 39% da população brasileira simplesmente não sabe o que foi o movimento Diretas Já, que completou em 2009, 25 anos. Mesmo entre os 57% da população que já ouviu falar, apenas 35% deles souberam dizer exatamente o que foi - luta pelo voto direto. 7% responderam que foi uma campanha pelo fim do Regime Militar ou movimento pela democracia e contra a ditadura. E 5% garantiram que foi o movimento pelo impeachment do Presidente Fernando Collor, fato que ocorreria quase 10 anos depois.


A mesma pesquisa apontou que 82% dos brasileiros ignoram totalmente o principal símbolo da ditadura militar, o AI5 - Ato Institucional nº5. 18% da população já ouviu falar a respeito mas apenas 6% dos entrevistados soube dizer corretamente o significado da sigla.


Mais do que um sistema educacional falido, a historiadora Denise Rollemberg, da UFF, diz que no Brasil, quando a democracia passa a ser valorizada, há uma reconstrução do passado a partir do presente. Assim esquece-se do que ouve para que esqueçam do aval dado. Daniel Aarão Reis, reforça quando diz que sempre que uma sociedade muda seus valores, surge o desafio de compreender por que se tolerou a situação agora deixada de lado. É muito mais simples não falar no assunto, esquecer. O apoio a ditadura foi muito maior do que se faz aparentar. Ainda hoje, em pesquisa, 26% da população após entender o que foi o AI5, disseram que Castello Branco acertou ao edita-lo. Sem contar as conversas de corredor de supermercado onde fácil ouvir que bom mesmo era esse país na época dos militares...


O principal mérito do movimento foi a mobilização popular envolvendo todo o país. Na maior parte das vezes é muito difícil unir o que as pessoas defendem com a disposição e mobilização em função desse objetivo. Assim, o movimento estudantil tão aguerrido nos anos 60 e 70, uniu-se a força política dos sindicatos e com os artistas e intelectuais recém voltados do exílio. Logo, todos os setores da sociedade, de jogadores e futebol a metalúrgicos lutavam pelo direito ao voto. Mais do que isso, o movimento era uma resposta ao momento económico vivido no pais, com inflação e recessão nas alturas.


Vínhamos de quase 20 anos de Regime Militar, impetrado no pais em Março de 1964 quando o Exército depôs João Goulart. No mês seguinte, assina-se o AI1 que permitia que o Presidente governasse por meio de decretos-lei, além da cassação dos direitos políticos de centenas de pessoas, e o Congresso Nacional elege de maneira indireta o General Castello Branco para Presidente. Em 1965, o AI2 dissolve os partidos politico existentes. Os políticos se reagrupam entre Arena (governista) e MDB (oposição). No ano seguinte vieram o AI3, estabelecendo voto indireto para Governadores e o AI4 que dava ao Congresso, já expurgado pelas cassações, poderes Constituintes. Em Março de 1967, entra em vigor a nova Constituição Federal e Costa e Silva assume a presidência do país.


1968 é um ano cercado de conflitos entre o Exército e o Movimento Estudantil, braço da sociedade politicamente ativo contra o Regime. Em Março, a PM do Rio de Janeiro mata a tiros de metralhadora o estudante secundarista EDSON LUIS durante um protesto estudantil. Em Junho, passeata mobiliza 100 mil pessoas no Rio de Janeiro pedindo liberdade. Em São Paulo explode carro bomba no QG do 2º Exército, matando um soldado. Em Julho, o Conselho Nacional de Segurança proíbe manifestações na rua. Em Outubro mais de 1200 estudantes são presos em Ibiuna, em um Congresso da UNE...


Nesse cenário, em 13 de Dezembro de 1968, é editado o AI5 que autorizava o Executivo a fechar o Congresso, cassar mandatos, demitir e aposentar funcionários. O governo legislava sobre tudo e não poderia ser questionado judicialmente. Nos 10 anos em que esteve em vigor, foram cassados mais de 100 congressistas, presos um sem número de pessoas (muitas delas desaparecidas até hoje) e caíram no crivo da censura cerca 1000 filmes e peças, 200 livros e 500 canções. Em Outubro de 1978 o AI5 foi revogado, João Figueiredo assume a presidência e, no mês seguinte a Lei da Anistia é regulamentada provocando o retorno em massa dos exilados políticos.


No final de 1979, o Congresso aprova a reforma partidária, desmembrando o MDB em várias legendas. Os sindicatos ressurgem com força com greves que chegaram a durar 1 mês. Em 1980, uma emenda aprova eleições diretas para Governadores.


Em 1983, Dante de Oliveira apresenta ao Congresso emenda estabelecendo eleições diretas para Presidente no país. Uma frente supra partidária, liderada por Franco Montouro, Leonel Brizola e Lula, é criada pela volta das eleições diretas.


Em Janeiro de 1984, é feito o Lançamento Nacional das Diretas Já com 50 mil pessoas se reunindo na Boca Maldita, em Curitiba. Pelo PDS, Mario Andreazza e Paulo Maluf lançam suas candidaturas. Há manifestações em Salvador (15 mil pessoas), Vitória (10 mil) e São Paulo (300 mil pessoas em 6 horas de manifestação). As manifestações se mantiveram por todo o país em Fevereiro e Março. Era a Caravana das Diretas. Em Abril, na Candelária, RJ, a protesto reuniu 1 milhão de pessoas. No mesmo mês, a maior manifestação da história do país em São Paulo, 1,7 milhões de pessoas.


Em 16 de Abril, o Executivo envia ao Congresso Nacional a emenda Leitão de Abreu como alternativa a Dante de Oliveira. Eleição direta para Presidente seria realizada em 1988 e reduziria o mandato do presidente a ser eleito pelo Congresso em Janeiro de 1985 para 4 anos.


Em 25 de Abril de 1984, a Emenda Dante de Oliveira derrotada na votação do Congresso por FALTA DE QUORUM. Foram 298 votos a favor, 65 contra e 112 parlamentares não compareceram.


Os partidos de oposição criam a Aliança Democrática com Tancredo Neves para presidente e José Sarney para vice. O PDS lança Paulo Maluf como seu candidato. Em Dezembro de 1984 o Senado decide que a eleição presidencial será aberta e cada membro votará em voz alta.


Em 15 de Janeiro de1985 Tancredo é eleito com 480 votos contra 180 de Maluf. Na véspera da posse Tancredo é internado as pressas com um tumor no intestino, tomando posse em 15 de Março de 1985 José Sarney. João Figueiredo se recusa a passar a faixa presidencial. Tancredo morre em 21 de Abril daquele ano, assumindo assim definitivamente o cargo de Presidente, José Sarney.


Em 15 de Novembro de 1989 os brasileiros vão as urnas pela 1ª vez desde 1960. Fernando Collor vence e toma posse em 15 de Março de 1990.


Muito mais poderia ser dito sobre esses 20 anos e dos 20 anos seguintes também. Mas deixemos isso, quem sabe, pros próximos textos.


O que nos resta pensar é que se 60% dos jovens entre 16 e 24 anos não sabem o que foi esse movimento é porque, graças a ele, gozam de liberdade e democracia. Mas é uma página que não pode ser virada da nossa história, muito menos esquecida. A consciência política, a escolha do nosso destino refletido em nossos representantes, só será possível se soubermos de onde e como chegamos até aqui.


Fonte: DataFolha
Folha On Line

Um comentário:

Ines disse...

Essa foi uma das manifestações mais lindas deste País. Aliás, uma das unicas. Eramos todos unidos em prol de um ideal, de um direito. Todos, jovens, senhoras, trabalhadores, aposentados e até crianças nas russ. Era um tempo em que politicos eram realmente autoridades, eram respeitados e respeitavam mais ainda. Todos cultos, educados, diplomados, enfim,coisa dificil de se ver hoje em dia. Eu estava lá e, até hoje nao esqueci aquela maravilha. Enfim... conseguimos e hj temos que engolir isto que está ai porque as lideranças de bem deste País nao existem mais.